Do outro lado da cozinha, vi Gudrun abrir a janela. A ventania que entrou fez seu pesado manto se erguer um pouco. O vampiro, prestes a saltar pela janela, parou e se virou para me fitar.
“Onde está o Profeta?”, perguntei, apontando a arma à ele, enquanto meus olhos brilhantes fitavam o vampiro na escuridão.
O vampiro nada disse. Gudrun ergueu a mão, mostrando as unhas longas e negras, e eu senti uma força poderosa agarrar meu tórax e me jogar contra a parede. Tentei atirar, mas o impulso repentino me fez perder a mira. Fui pressionado contra a parede, Como se uma mão invisível me mantivesse preso. Eu lutava para escapar, enquanto Gudrun voltava a fitar a janela, sentindo a chuva fria tocar seu rosto. O vampiro saltou, mas era como se não houvesse gravidade para puxa-lo ao chão. Ele atravessou a janela aberta, descendo graciosamente no jardim lá fora.
Assim que Gudrun sumiu de vista, senti a força que me prendia se dissipar. Correndo até a janela, meus olhos o procuraram na escuridão ali embaixo, e o percebi caminhar para longe no jardim, em meio à tempestade. “Gudrun!”, gritei, saltando pela janela. Minhas asas se abriram, evitando que eu caísse violentamente no chão abaixo, mas desapareceram tão logo eu toquei o chão. Gudrun estava longe, eu precisava impedi-lo! Correndo em sua direção, disparei com a arma em minhas mãos, até que todas as balas se acabassem. O recuo da arma comprometeu a mira, mas atingi-lo não era o objetivo. Eu precisava atrair sua atenção!
Gudrun parou e se virou para me encarar. O plano tinha funcionado! O vampiro gritou alguma coisa, mas sua voz foi abafada pelos trovões e pelo vento. Eu corri na direção dele, pronto para derruba-lo. Eu precisava tentar impedi-lo de fugir! Porém, tão logo o atingi com um encontrão, fui eu quem recuou atordoado pelo impacto. A mão do vampiro agarrou meu pescoço, suas unhas penetrando minha carne. “IDIOTA!”, gritou Gudrun, me arremessando contra o chão. Caí violentamente, rolando na grama. Senti mais uma vez uma força invisível me agarrar e, conforme Gudrun gesticulava, eu era erguido no ar e arremessado contra uma árvore próxima. Minhas costas atingiram violentamente o caule, e senti uma dor intensa. A força me soltou, e caí novamente no chão. Minha cabeça rodava, e eu tentava me concentrar, para que minha energia me recuperasse dos ferimentos.
“Nicodemus!”, alguém gritou, embora eu mal pudesse ouvir em meio à tempestade. Absolon surgiu, desferindo um golpe de espada visando as costas de Hagan Gudrun. Porém, ao invés de partir carne e ossos, a lâmina atravessou névoa. A forma nebulosa do vampiro se ergueu no ar, se reformando a dois metros de altura, mas ao invés de cair, o morto-vivo continuava flutuando, como se não tivesse peso algum. Absolon recuou, colocando a espada à frente do corpo, seus olhos brilhantes fitando o olhar frio do vampiro. “Você está bem, Nicodemus?”, gritou Absolon.
Gudrun gesticulou novamente, desta vez com ambas as mãos. Imediatamente, Absolon foi jogado para trás, e sua espada removida de suas mãos, voando na direção da mão direita do vampiro. O vampiro desceu violentamente, erguendo a lâmina pronto para um ataque fatal. Absolon rolou, escapando por pouco do ataque, fazendo com que a espada atingisse apenas o chão. O vampiro deu um passo para trás, erguendo mais uma vez a lâmina, enquanto o Princeps tentava se levantar.
Antes que o vampiro desferisse um segundo golpe, porém, o chão aos seus pés tremeu, fazendo-o perder o equilíbrio. O barro agarrou um dos pés do morto-vivo, e da escuridão veio Fabrizia, correndo na direção do monstro. Fabrizia parou a poucos metros da criatura e então disparou sua espingarda. O tiro atingiu em cheio, arrebentando o peito do morto-vivo. Gudrun, porém, não caiu nem recuou, mas sim avançou contra a jovem, sua força sendo suficiente para escapar da lama que prendia seu pé. Gudrun direcionou a lâmina contra peito de Fabrizia. Antes que o peito da Celestial fosse empalado pela arma, Absolon avançou, de encontro ao vampiro. Pego de surpresa, o vampiro caiu, largando a lâmina.
Absolon se pôs sobre o oponente caído, golpeando a face do monstro com as mãos nuas. O monstro cuspiu sangue na face do jovem Princeps, queimando-a como se fosse ácido Absolon gritou de dor, levando as mãos à face e se afastando. Enquanto Gudrun se levantava mais uma vez, Fabrizia atacou, agora usando a espada de Absolon. A lâmina penetrou na barriga do monstro, que se limitou a golpear a face da jovem, jogando-a a quase dois metros de distância. Fabrizia caiu, ainda consciente, porém atordoada. Gudrun então foi na direção de Absolon, que ainda tentava curar seus olhos, feridos pela queimadura.
Enquanto isso, eu me erguia, sentindo todo meu corpo doer. Já parcialmente recuperado, me apoiei na árvore, minha mão sentindo o tronco de madeira. Mais uma vez, canalizei minhas energias através da madeira, deformando-a. Uma forma longa, grossa e pontiaguda nasceu na superfície da árvore, e eu a destaquei, criando uma estaca.
Gudrun abriu a boca, e Absolon gritou, seu sangue surgindo em correntes que lhe rasgavam a pele, sendo levadas à boca do vampiro. Cambaleante, o Princeps tombou em seguida. Por fim, Gudrun mais uma vez me fitou. Dei um passo em sua direção, quando ele começou a gesticular. Mais rápido, porém, ergui minha mão, e o vampiro sentiu o poder do vento atingir seu peito, jogando-o para trás e derrubando-o. Segurando firmemente a estaca em minhas mãos, corri na direção do maldito, enquanto este ainda se levantava. Ergui a mão que empunhava a estaca, pronto para o golpe, mas então Gudrun se desfez em névoa diante de mim. “NÃO!”, eu gritei, fechando meu punho livre e golpeando a forma nebulosa. Embora meu punho fosse físico, eu o atingi em espírito, usando o poder de meu Clero. O vampiro recuou, surpreso, se solidificando. Então, aproveitando a oportunidade, dei o golpe final, perfurando o peito do monstro com a estaca de madeira.
O vampiro tombou inerte, seu corpo imobilizado, sua face paralisada numa expressão de surpresa. Porém, eu seus olhos, percebi que a criatura ainda estava consciente, me fitando com ódio e terror. Fitei-o, ofegante, usando minhas energias para me recuperar dos ferimentos sofridos. Atrás de mim, Fabrizia e Absolon, ainda caídos, faziam o mesmo.
Eu fitei o vampiro. Então, meus olhos brilharam com uma intensidade diferente de antes. Desta vez, minha visão não penetrava apenas na escuridão da noite, mas sim nas profundezas da mente do vampiro. Sua força de vontade era tremenda, uma barreira difícil de vencer. Porém, em nome de Veritatis, eu precisava vencer o confronto mental com o vampiro. Por um momento, minha concentração era tão grande que nem mesmo ouvia os sons da tempestade. E então, a resposta surgiu em minha mente, murmurada pela voz do próprio vampiro. Um leve sorriso de alívio se formou em meus lábios, e eu parei de fitar o monstro.
Absolon se aproximou, sua espada em mãos. Sua mão esquerda alisava o próprio rosto, como se buscasse marcas da queimadura, embora ele já estivesse totalmente recuperado. “Mate-o”, pedi ao Princeps. Absolon olhou o vampiro, erguendo a espada. Quando a lâmina desceu, o cabeça do monstro rolou. A força das chuvas foi o suficiente para quase desintegrar o corpo ressequido que sobrara.
Das sombras, emergiu Lo Wang, sua roupa rasgada indicando marcas de bala e cortes provocados por garras. “Nicodemus, me perdoe!”, pediu o Kage, “eu o vi perseguir Gudrun, mas não pude acompanha-los desta vez. Um dos demônios me impediu de alcança-los, e só pude vir após destruí-lo”.
“Não se preocupe, Wang”, eu respondi. “Como está a batalha lá dentro?”.
“Perto do fim. Os últimos Anunnaki partiram, alguns poucos ainda lutavam quando deixei o salão, mas estavam em menor número e muito feridos. Nós vencemos”, respondeu o Kage.
“Reúna todos, Wang”, pedi. “Eu agora sei onde Gudrun escondeu o Profeta”. Wang fez um sinal positivo com a cabeça, dando-me as costas e correndo de volta à mansão. Enquanto isso, Absolon ajudava Fabrizia a se levantar, e os dois se abraçaram em seguida.
Cerro-corá. É lá que está o Velho. Gudrun o escondeu num barracão abandonado, próximo à mata, no alto da favela de Cerro-corá. O local estava claro em minha mente. Eu fitei o céu, na direção da favela. Acima, havia apenas negritude. Escuridão mais profunda do que qualquer noite.
A tempestade se intensificava. Agora que a batalha tinha terminado, minha atenção se voltou para a tormenta. Quando fechei meus olhos, eu ouvi novamente o urro do tigre sendo carregado pelo vento. Porém, senti algo mais. Um olhar, como se um olho invisível me fitasse diretamente. Olhei para os céus, tendo a clara impressão que, numa breve brecha nas nuvens, o céu acima estava vermelho. Shiva chegou, mas há algo mais... Algo que cavalga a tempestade.
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